segunda-feira, 27 de setembro de 2010

End

Ela andava triste, cabisbaixa. Depois passou. Entrou naquele estado letárgico. Que no fundo, no fundo, era pior que a tristeza. As mágoas se acumulavam tanto que o único modo de deixá-las para trás era fingir que elas não estavam ali. E fingir que não dói, quando a dor é muito funda, é o mesmo que fingir que não sente. Logo a letargia virou amargura. E a amargura se transformou em espetadelas, alfinetadas. Aquela forma covarde de demonstrar raiva.
Ela falava de tudo que a incomodava, mas nunca do que a incomodava realmente. Falava do sol, da chuva, do céu, da terra. Do que doeu há anos, do que doeria daqui a meses. Mas nunca do presente. Cutucar o presente é uma maneira de mudar o futuro. E ai que medo de mudar o futuro. Mal sabia ela que o futuro muda a cada passo que damos. Mal sabia ela que a amargura posta pra fora do peito às cuspidelas seria bem pior do que a conversa que ela tanto temia.
Ela tentava magoar, ele também. Os dois conseguiam. De forma irreversível, mas na época os dois apenas desconfiavam. Quando foram ver, já era tarde. Não dava mais. Parar, pensar, lembrar, analisar, mudar, guardar. Tantos verbos, mas poucos designavam ações. Na verdade, ação quase não havia naqueles tempos. De volta ao estado letárgico. Aliás, não. Como ficar parada no seu canto quando se está lutando pra não se afogar naquela maré de lágrimas? Não se pensa no trabalho, na academia, nos estudos, na tevê, na música, nas revistas, em nada. Só em não se afogar. Vai passar. ela pensava. Vai passar, ele dizia. Daqui a pouco tudo volta ao normal, deixa o tempo passar, deixa o barco correr, como diz Chico Buarque.
Até que um dia passou. Um dia ela acordou e viu que o céu não tinha deixado de ser azul só porque na cabeça dela só tinham nuvens pretas. O mar continuava batendo na praia mesmo que Iemanjá não tivesse realizado suas preces. E o trabalho fazia sentido. A tevê tinha coisas legais e tinha muita música legal no mundo. Músicas que não a lembravam dele. E as que lembravam eram apenas músicas. E não todos os artistas do mundo tentando esfregar na cara da menina o quanto ela tinha sido feliz e não era mais.
 E de repente, ela era feliz. Mesmo sabendo de tudo o que perdeu, ela soube que ia ganhar muito mais na vida. Porque tudo sempre volta ao normal.

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